Nathália Guimarães
O hábito de fumar voltou a crescer nas capitais brasileiras pela primeira vez em quase duas décadas. Dados divulgados pelo Ministério da Saúde (MS) mostram que a proporção de adultos fumantes subiu de 9,3% em 2023 para 11,6% em 2024. O número, que estava em queda desde 2007, acende o alerta para a saúde dos brasileiros na semana do Dia Nacional de Combate ao Fumo, comemorado na sexta-feira (29).
Para diminuir o número de fumantes no País, o MS criou o Programa Nacional de Controle do Tabagismo. O programa existe desde os anos 1980, mas só foi oficializado em 2023, no governo Lula 3. Em 1989, cerca de 35% da população adulta fumava. Com as campanhas, restrições de propaganda e ampliação dos ambientes livres de fumo, os índices caíram para 22% em 2003; 18,5% em 2008; e chegaram a 12,6% em 2019.
O consumo de tabaco está associado a 30% das mortes por câncer, sendo mais de 90% deles do pulmão, 25% casos de infarto agudo do miocárdio e quase metade dos derrames cerebrais, de acordo com dados do Hospital do Coração (HCor).
Cigarro encurta a vida
“Se não tivesse fumado, o teimoso teria chegado aos 100 anos”. A frase é da pediatra Karina Tomiasi, 29, de Presidente Prudente (SP), ao relembrar do falecido avô, Aldo Tomiasi. Ele começou a fumar com 14 anos e consumia dois maços por dia. Por pressão da esposa, Marina, parou. Mas as décadas de dependência cobraram caro.
Aldo começou a fumar com 14, mas por pressão da esposa, Marina, parou. Foto: Arquivo Pessoal
Karina relata que, durante a adolescência, os primos do avô diziam que “tem que fumar para ser homem”. Uma brincadeira de mau gosto que empurrava os jovens para o tabaco. Aldo incorporou o hábito cedo, e só abandonou o vício depois dos 50 anos. A decisão foi radical e ele largou de uma vez, sem tratamentos de apoio ou reposição de nicotina. Nos anos seguintes, viu a saúde sucumbir e foi diagnosticado com melanoma (câncer de pele) e cânceres no intestino e no pulmão.
Uma das fases mais duras para a família veio quando o tumor comprometeu uma das cordas vocais de Aldo. “Ele era muito ativo, palmeirense roxo, participava da comunidade e cantava no coral da igreja. Mas ficou rouco e não melhorava. Fomos investigar e descobrimos o câncer de pulmão. Na época, ele já tinha vencido o melanoma e o câncer de intestino. O cirurgião torácico deu uns seis meses de vida, mas meu avô sobreviveu mais dois anos.”
Aos poucos, o cigarro cobrou o preço. Nos últimos meses de vida, Aldo precisou de oxigênio em casa. Em 2021, faleceu aos 88 anos, deixando a família com a lembrança de um homem carinhoso e cheio de energia. “Ele era forte, mas o cigarro o fragilizou. É duro pensar que tudo isso poderia ter sido evitado”, desabafa a neta.
Karina Tomiasi: “Ele era forte, mas o cigarro o fragilizou. É duro pensar que tudo isso poderia ter sido evitado.”
Doenças decorrentes do cigarro
A oncologista Gabrielle Scattolin explica que o cigarro está relacionado a diversos tipos de câncer, como de pulmão, boca, garganta, laringe, esôfago, bexiga, pâncreas e rim. “O perfil clássico de fumante ainda é de homens adultos, mas vemos um crescimento importante entre mulheres e, principalmente, jovens. A maioria começa a fumar ainda na adolescência, justamente quando a dependência da nicotina se estabelece.”
O vilão vape
Mesmo com a comercialização proibida no Brasil, o cigarro eletrônico é, também, um grande vilão. Conhecido como vape, o dispositivo possui sabores como melancia, morango e até algodão doce, mas que acumulam substâncias químicas tóxicas e metais pesados. “Já existem casos graves de doenças respiratórias causadas pelo vape, algumas inclusive fatais. Há risco de vício pela nicotina, além da exposição a substâncias que inflamam e lesionam o pulmão.”
Em outro aspecto, o neurocirurgião Victor Hugo Espíndola alerta para o risco elevado de AVC entre fumantes. “Quem fuma tem o dobro de chances de sofrer um AVC em comparação com não-fumantes. O cigarro atua diretamente na parede das artérias, favorecendo a formação de placas e interrompendo o fluxo sanguíneo.”
Válvula de escape
A neuropsicóloga Juliana Gebrim avalia que, muitas vezes, o cigarro é usado como “válvula de escape” para ansiedade, tristeza e solidão. O que significa que fumar vira uma estratégia rápida de regulação emocional, mas que é ineficaz e destrutiva no longo prazo. “Ele dá um alívio rápido, mas logo traz culpa e medo. Esse ciclo alimenta tanto a dependência química quanto a emocional.”
O ciclo do tabagismo, acrescenta a especialista, é alimentado por alívio imediato e culpa posterior. “A pessoa fuma para aliviar a tensão, mas em pouco tempo sente culpa ou medo pelos danos à saúde. Isso gera mais ansiedade, que leva a mais cigarros. É um ciclo que não acaba.”
Na visão de Juliana Gebrim, as terapias são o melhor caminho para romper esse padrão, identificar gatilhos e construir alternativas mais saudáveis. “Parar de fumar é possível, e o apoio da família é muito importante nesse processo. Quando a pessoa sente que não está sozinha, fica mais fácil lidar com os momentos de ansiedade e irritação que podem surgir ao interromper o hábito.”
Segundo ela, o simples fato de ter alguém que escuta, incentiva e comemora cada pequena vitória já fortalece bastante a motivação. “Oferecer companhia em um passeio, preparar um café juntos ou simplesmente ter paciência são alguns exemplos de gestos de cuidado”, exemplifica.
CONVERSA — No Brasil, o cigarro causa 174 mil mortes por ano, mas uma simples conversa de até três minutos entre um médico, enfermeiro ou dentista e pacientes poderia mudar esse cenário. Um estudo do Instituto Nacional de Câncer (Inca) revela que quase 10 milhões de fumantes deixaram de receber esse tipo de orientação em consultas de rotina. Se todos os fumantes acima de 35 anos tivessem sido aconselhados, o país teria hoje cerca de meio milhão de fumantes a menos.
O aconselhamento breve, como é chamado tecnicamente, dura de 30 segundos a 3 minutos. O método recomendado pela OMS é de baixo custo e consiste em aproveitar consultas para conscientizar, avaliar o interesse do paciente em parar de fumar e indicar apoio ou tratamento. O pesquisador do Inca André Szklo, responsável pelo estudo, afirma que a abordagem pode ser a “centelha inicial” para o fumante largar o vício.
“O aconselhamento breve pode ser incorporado ao dia a dia dos serviços de saúde, tanto no SUS quanto na rede privada. Ampliar o acesso a profissionais de saúde, como prevê o Programa Agora tem Especialistas, do Ministério da Saúde, é uma oportunidade para potencializar essa estratégia em escala nacional”, destaca André Szklo.
Saiba +
O SUS oferece tratamento e medicamentos para quem quer parar de fumar. Além do acompanhamento médico, o sistema disponibiliza adesivos, pastilhas, gomas de mascar específicas e bupropiona. Também estão disponíveis grupos de apoio em UBSs, que ajudam a lidar com recaídas e a manter a motivação. Os benefícios de parar de fumar começam imediatamente. Em apenas 20 minutos, a pressão arterial e a pulsação voltam ao normal. Após algumas horas, os níveis de oxigênio se equilibram no sangue. Em poucas semanas, melhoram a respiração e a circulação. Após um ano sem fumar, o risco de infarto cai pela metade.