Júlio Miragaya (*)
Em 6 e 7 de julho, o Brasil recebeu diversos chefes de Estado do chamado “Sul Global” (mais apropriado seria Sul Emergente e Subdesenvolvido) para a 17ª cúpula do BRICS, que se encontra num momento de redefinição de seu papel. Quando começou a ser forjado, em 2006, tratava-se de uma articulação da China, Índia, Rússia e Brasil, os “países baleia” (pela grande população e extensão territorial), em busca de maior relevância no cenário mundial, desprezados que eram pelas potências agrupadas no G-7 (EUA, Japão, Alemanha, Grã-Bretanha, França, Itália e Canadá).
Ao longo desses 19 anos, os quatro países avançaram de forma substantiva no cenário global, notadamente China e Índia, e outros sete países emergentes foram incorporados ao bloco. Atualmente, os 11 membros do BRICS possuem 49% da população mundial e responderam, em 2023, por 40% do PIB/PPC do planeta (US$ 83,20 trilhões), 47% superior ao do G-7 (US$ 58,57 trilhões), muito embora tal vantagem se deva, sobretudo, ao enorme PIB chinês (US$ 40 trilhões ou 48% do PIB do bloco).
Mas suas iniciativas ainda são muito tímidas em se assumir como um agrupamento em defesa dos interesses dos países emergentes e subdesenvolvidos contra o sistema imperialista comandado pelos EUA, ou seja, em oposição ao G-7. No âmbito econômico-financeiro, se repetem as exortações pela reforma das instituições de Bretton Woods, contidas na “Declaração do Rio”.
Mas o fato é que uma política econômica soberana é incompatível com a tríade FMI-BIRD-OMC – que atua conforme os interesses do capital financeiro concentrado nas potências ocidentais – e com a “ditadura” do dólar. Em relação ao multilateralismo, pululam apelos pela sua observância, desconsiderando que os órgãos citados foram constituídos como instrumentos do sistema capitalista para preservar os interesses do grande capital.
Mudanças nas suas composições e orientações estratégicas são desafios quase insuperáveis. O mesmo apelo ilusório ocorre em relação à governança global, em particular com a “democratização” do Conselho de Segurança (CS) da ONU. Embora na “Declaração do Rio”, conste a vaga citação de que “China e Rússia reiteram seu apoio às aspirações do Brasil e da Índia de desempenhar um papel mais relevante na ONU, incluindo no seu Conselho de Segurança”, a verdade é que a persistente reivindicação do presidente Lula de que o Brasil seja agraciado com um assento permanente no CS, além de nada democrática (por excluir outros países que também têm as mesmas pretensões), é totalmente irrealizável, pois os atuais 5 membros, que ainda têm o poder de veto, não se dispõem a dividir o poder a eles conferido.
A China não aceita a entrada da Índia, tampouco do Japão; o Paquistão se opõe à entrada da Índia, assim como a Coreia do Sul é contra o ingresso do Japão; México e Argentina não aceitam serem preteridos em relação ao Brasil; a indicação da África do Sul é refutada por Egito, Nigéria e Etiópia, que reivindicam o “Consenso de Ezulwini”, e a Rússia veta o ingresso da Alemanha. Mas, se esta for admitida, a Itália também reivindica uma vaga.
A rigor, o CS da ONU é, hoje, letra morta, pois, com o espúrio poder de veto conferido às 5 potências vitoriosas na 2ª Guerra Mundial, inúmeras deliberações da Assembleia Geral da ONU ou mesmo da maioria dos membros do próprio CS têm sido solenemente ignoradas pelas potências. Assim fizeram os EUA e as potências europeias ao invadirem o Iraque, o Afeganistão e ao bombardearem a Líbia e a Sérvia; assim fez a URSS ao invadir a Tchecoslováquia e o Afeganistão, e agora a Rússia ao invadir a Ucrânia. Assim fizeram os EUA ao apoiar Israel no bombardeio ao Irã e ao vetar qualquer censura a Israel no massacre que este promove na faixa de Gaza.
O imperialismo norte-americano é cada vez mais agressivo no plano econômico e militar (OTAN). E ao BRICS só resta o caminho de avançar na pauta anti-imperialista, ampliando a articulação política dos países emergentes e periféricos, não se limitando à articulação dos governos, alguns submissos aos EUA, mas também na articulação de seus povos.
É óbvio, que admitir no BRICS todos os países emergentes e periféricos seria irreal (são 160, quase uma nova assembleia da ONU). Mas o Brasil deve trabalhar para que sejam incorporadas as demais potências regionais que ainda não ingressaram no bloco, atraindo, da América Latina, México, Colômbia e Argentina; da África, Nigéria, Congo e Argélia; do Oriente Médio e Ásia Central, Turquia, Iraque e Cazaquistão; da Ásia Meridional, Paquistão e Bangladesh; e da Ásia Oriental, Tailândia, Vietnam, Malásia e Filipinas.
Por fim, lamentar a quase omissão, na “Declaração do Rio”, quanto ao gigantesco problema da concentração da renda e da riqueza no mundo, inclusive no “Sul Global”, palidamente contido em duas linhas no seu item 76.
(*) Doutor em Desenvolvimento Econômico Sustentável, ex-presidente da Codeplan (atual IPEDF) e do Conselho Federal de Economia