Júlio Miragaya (*)
Reproduzo neste artigo trechos da Carta Aberta entregue por uma delegação do Fórum Nacional pela Redução da Desigualdade Social aos três integrantes do Conselho Monetário Nacional (ministros da Fazenda, Fernando Haddad; do Planejamento e Orçamento; Simone Tebet; e presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo), por ocasião da reunião do CMN de 28 de agosto.
O documento inicia destacando que o CMN, órgão superior do Sistema Financeiro Nacional, tem como objetivo buscar a estabilidade da nossa moeda e contribuir para a promoção do desenvolvimento econômico e social do Brasil, o que inclui manter a inflação sob controle: “O povo brasileiro sabe muito bem o que é uma taxa de inflação elevada e as consequências para a economia nacional e para o seu poder de compra. De 1951 a 1994, a taxa de inflação no Brasil se apresentou elevada, tendo chegado a incríveis 2.477% em 1993. Nesses 44 anos, em apenas 3 (1952, 1970 e 1972) a taxa de inflação ficou abaixo de 20%, e nunca abaixo de 9% ao ano.
A partir de 1995, notadamente a partir de 2005, quando o Regime de Metas de Inflação adotado em 1999 a fixou em 4,5% ao ano, a taxa de inflação brasileira vergou acentuadamente para baixo. De 2005 a 2025, a taxa de inflação no Brasil teve comportamento excepcionalmente regular, exceto em 2015 (forte crise econômica) e 2021 (ano mais crítico da pandemia da covid 19), nunca a variação de preços excedeu a 6,5%.
De 2005 a 2018, com a meta de inflação fixada em 4,5% e banda superior de 6% ou 6,5%, apenas na crise econômica de 2015 o teto da meta foi “superado”. Até mesmo em 2019 e 2020, com a meta sendo reduzida para 4%, a inflação ficou abaixo do teto superior.
Entretanto, a partir de 2021, com a meta sendo gradativamente reduzida até 3%, em quatro dos cinco anos (incluindo 2025), o teto da meta foi ultrapassado. Se tivesse sido mantida a meta de 4,5% e a banda superior de 6%, não teria havido estouro da meta em nenhum dos anos, exceto em 2021, o que ocorreu em quase todos os países, em razão da pandemia.
O CMN, ao promover uma injustificável redução da meta de inflação para 3% a.a., tão irreal para a realidade brasileira, deu ao mercado financeiro o pretexto que desejava, de alegar que a inflação se acharia “fora de controle”, pressionando o BC a promover o aumento da Taxa Selic. É o que tem ocorrido desde setembro de 2024, tendo a Selic saltado de 10,5% para os atuais 15%.
É falso o argumento de que a inflação no Brasil se dá por pressão da demanda e que deve ser combatida pelo aumento da taxa de juros. A inflação no País decorre, sobretudo, do impacto dos preços dos alimentos – devido a problemas climáticos; baixo nível dos estoques reguladores; variação na cotação internacional das commodities e oscilações acentuadas do real em relação ao dólar – e dos preços administrados (energia, combustíveis etc).
As consequências de uma Selic tão elevada são mais que conhecidas: encarecimento do crédito às empresas, com consequente redução do investimento produtivo; encarecimento do crédito às pessoas, com consequente agravamento do endividamento das famílias e redução do consumo; queda na geração de empregos; redução do crescimento do PIB; aumento dos gastos com juros da dívida pública (em 2024 para cerca de R$ 1 trilhão) e consequente aumento da dívida pública.
Vemos que a atividade industrial, que vinha se recuperando desde o início de 2023, dá sinais de desaceleração. O mesmo ocorre com a construção civil, um dos principais responsáveis pela recuperação do emprego. Inacreditavelmente, um recente comunicado do BC chegou a alertar para os riscos trazidos pelo “dinâmico crescimento da economia e do emprego”. O resultado será colhido no final do ano, com o crescimento do PIB desacelerando do atual patamar próximo a 4% ao ano para algo pouco acima de 2%.
E quem são os principais favorecidos pelo aumento da Selic? Uma reduzida “elite”, que forma o clube vip dos super ricos. O que está em curso é um claro movimento comandado pelo mercado financeiro para anular as ações voltadas para a promoção do crescimento econômico e pressionando pela redução da proteção social promovida pelo Estado brasileiro, exigindo a redução do orçamento das áreas de saúde, educação e assistência social.
A Carta conclui com um apelo do “Fórum” e das organizações a ele associadas para que o CMN retorne à meta de inflação que vigorava até 2018 (4,5%), mantendo o intervalo de 1,5%, retirando o argumento do BC de que não pode reduzir a taxa Selic, permitindo que a economia brasileira se livre do garrote imposto pelo mercado financeiro.
(*) Doutor em Desenvolvimento Econômico Sustentável, ex-presidente da Codeplan (atual IPEDF) e do Conselho Federal de Economia