Industão ou Indostão é como era conhecida a região que constitui o chamado subcontinente indiano, compreendendo os atuais territórios da Índia, Paquistão, Bangladesh, Nepal, Butão, Myanmar e Sri Lanka, onde vivem 2 bilhões de pessoas. Nos últimos dias, a região voltou às manchetes, com as escaramuças entre os exércitos da Índia e do Paquistão na Cachemira, que já resultaram em dezenas de mortes e ameaçam descambar para um conflito de consequências imprevisíveis.
Índia e Paquistão já travaram guerras em 1947/48, e de 1965 a 1971, quando ainda não eram potências nucleares. E hoje, ambos o são, o que torna a escalada do conflito preocupante. Estão entre os maiores exércitos e forças aéreas do mundo. A Índia é a nação mais populosa do planeta, com 1,45 bilhão de habitantes, e a 3ª maior economia, com um PIB (PPC) de 10,4 trilhões. Já o Paquistão é 5º mais populoso país do mundo, com 250 milhões de habitantes e tem um PIB (PPC) de US$ 1,2 trilhão.
Mas, a razão do presente conflito é apenas a disputa pelo território da Cachemira? Certamente, não! O conflito tem origem no legado deixado pela política colonial do Império Britânico.
HISTÓRIA MILENAR – O subcontinente indiano tem uma história milenar. A civilização surgiu no vale do rio Indo há mais de 5 mil anos, concomitantemente com sua aparição nos vales dos rios Nilo (Egito), Tigre/Eufrates (Mesopotâmia) e Amarelo (China). Posteriormente a região viu florescer a civilização Védica e em torno de 1.500 aC recebeu correntes migratórias de povos arianos da Ásia Central, que conviveram ou miscigenaram com os povos dravidianos estabelecidos na porção sul da península.
Por séculos, diversos impérios prosperaram e sucumbiram na região. Em 1206 emergiu o pujante Sultanato de Delhi, que caiu ante a invasão dos mongóis em 1297. Um século depois (1398) ocorreu a invasão da região por Tamerlão, e em 1526, um descendente seu, Babur, fundou o poderoso Império Mogol, após conquistar boa parte da Ásia Central, o Sultanato de Delhi e uma série de reinos por todo o subcontinente.
De 1526 a 1700, sob o Império Mogol, e no início do século XVIII, sob o Império Maratha, se deu o período de sua maior prosperidade. Era o Industão, junto com a China, não só os mais populosos países do planeta, mas as duas maiores economias.
Mas o decorrer do século XVIII reservava uma tragédia para os indianos: a chegada dos britânicos. Fazendo uso da violência, ameaças e chantagens, a Grã-Bretanha foi expandindo seu domínio, começando pela próspera região de Bengala (1765), depois o vale do Ganges (1803), e após conquistar vários reinos e sultanatos, em 1858 unificou todo o Industão, criando a Índia Britânica.
DOMINAÇÃO BRITÂNICA – O que aconteceu foi bem descrito por Marx, em “A Dominação Britânica na Índia” (1853): “Não resta qualquer dúvida de que a miséria infligida pelos britânicos ao Indostão é infinitamente mais intensiva do que a que todo o Indostão teve de sofrer anteriormente. Todas as guerras civis, invasões, revoluções, conquistas, fomes, por destruidora que a ação possa parecer, tiveram efeito superficial sobre o subcontinente indiano. A Inglaterra, no entanto, destruiu todo o arranjo da sociedade hindu. Esta perda de seus antigos valores, além da própria conquista, dá um abatimento especial para a miséria da sociedade indiana, e o separa de todas as suas antigas tradições e toda sua história passada”.
Segundo Marx, o invasor britânico, buscando controlar o enorme mercado indiano, “quebrou o tear manual e destruiu a roda de fiar para inundar de algodões a própria terra natal do algodão, fazendo com que, de 1824 a 1837, a exportação de musselinas britânicas para a Índia saltasse de 1 milhão para 64 milhões de jardas”.
Ademais, os ingleses sucatearam o sistema de irrigação da Índia, provocando sucessivas quebras de safras e enormes ondas de fome, como a de 1777 em Bengala, em que morreram 10 milhões de bengalis.
No subcontinente indiano coexistiram, por séculos, diversos povos, e até hoje são faladas dezenas de línguas. Mas para dominá-los, o Imperialismo Britânico promoveu confrontos entre esses povos e estimulou os conflitos religiosos entre hinduístas, islâmicos, budistas e sikhis.
FRONTEIRAS ARTIFICIAIS – E quando, em 1947, os movimentos de libertação forçaram a expulsão dos britânicos, estes fizeram o que fariam na África e no Oriente Médio: impuseram fronteiras artificiais, dividindo povos que viveram juntos por séculos. Os 280 milhões de bengalis hoje estão separados nos que vivem em Bangladesh (175 milhões) e os que vivem na Índia (105 milhões); os 160 milhões de punjabis estão separados entre os que vivem no Paquistão (125 milhões) e os que vivem na Índia (35 milhões). Os 20 milhões de balúchis se espalham entre o Paquistão, o Afeganistão e o Irã.
Em suma, o risco é grande, pois o Paquistão tem como grande aliado a China, potência que tem relação conflituosa com a Índia, pois reclama, desde 1914, a posse do estado indiano de Arunachal Pradesh, que considera parte do Tibete, e ocupa a região de Aksai China, que é reclamada pela Índia.
Só resta torcer!