Tersandro Vilela (*)
Eles tinham tudo o que uma banda indie precisa para viralizar. Estética lo-fi, fotos com ar melancólico, melodias suaves que pareciam resgatar os anos 1990 e o principal: mistério. Nenhuma entrevista, nenhum show, nenhum rosto visível. Ainda assim, a Velvet Sundown acumulou mais de 500 mil ouvintes mensais no Spotify antes de revelar seu maior truque: nenhum dos integrantes existe. A “banda” inteira foi gerada por inteligência artificial.
A revelação, feita no início de julho, desmontou o que muitos acreditavam ser uma nova sensação alternativa e acendeu alertas sobre os limites da autenticidade em tempos de algoritmos. Letras, vocais, capas de disco, fotos de divulgação, vídeos. Tudo produzido por modelos generativos de IA. Nem os supostos músicos sabiam tocar.
Segundo os idealizadores, a proposta era mais do que enganar: era provocar. A Velvet Sundown foi concebida como um experimento artístico para testar até onde vai a capacidade da IA de simular humanidade; e até onde o público está disposto a acreditar.
A música, dizem os criadores, foi gerada por algoritmos treinados com referências de bandas como Radiohead, The National e Beach House. Os vocais foram sintetizados. Os clipes montados com softwares que simulam efeitos analógicos. E o engajamento, este sim, foi genuinamente humano.
A Deezer, plataforma de streaming que vem adotando políticas para sinalizar conteúdos potencialmente gerados por inteligência artificial, incluiu um aviso no perfil da Velvet Sundown informando que “algumas faixas deste álbum podem ter sido criadas usando inteligência artificial”. O Spotify, onde o projeto teve mais repercussão, ainda não se pronunciou.
A ausência de critérios mais rígidos de verificação nas plataformas de streaming virou alvo de críticas. Como distinguir um artista legítimo de um avatar treinado para soar emocional? A resposta, por enquanto, não veio.
O que se sabe é que a Velvet Sundown expôs uma falha ou uma nova fronteira da indústria fonográfica digital. Se a música mexe com emoções humanas, mas pode ser criada sem humanos, o que define sua autenticidade?
Para alguns, trata-se de arte conceitual legítima. Para outros, é quebra de confiança com o público. No fim, o caso deixou o recado: em tempos de inteligência artificial, até a melancolia pode ser programada.
(*) Jornalista pós-graduado em Filosofia, especialista em Liderança: gestão, resultados e engajamento e mestrando em Inovação, Comunicação e Economia Criativa